Neste dia 23 de janeiro em que no calendário antigo da Igreja se celebrava o noivado de Maria Santíssima e São José, contemplemos os mistérios, os medos e as graças divinais que circundaram todo esse ditoso acontecimento. Assim como o Divino Espírito, hoje São José com toda a Igreja quer ser casar misticamente com Maria, numa união profunda e inseparável. Cantemos como no Apocalipse: ''Eis que as núpcias de São José (e toda a Igreja n'Ele) se aproximam! Sua Esposa se enfeitou, se vestiu de linho puríssimo e resplandecente.'' (1)
''Ioseph, fili David, noli timére accípere Maríam
cónjugem tuam.''
''José,
filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa.’’ (2)
Sem dúvida, essas riquíssimas e profundíssimas palavras –
que contêm admiráveis mistérios da mais mística e divina união que se pode ter
visto na terra – são parte de um dos trechos mais belos e, permita-me dizer: o
mais significativo de toda a Escritura na vida de um ''Todo de Maria''.
Pois eis que aí a Rainha Soberana de todos os seus escravos de amor está nas mãos de seu
noivo São José, ou seja, está sujeita a justiça exigida pela lei de Moisés -
que ordenava que as mulheres adúlteras (que fossem infiéis aos seus maridos)
fossem apedrejadas na porta da casa de seus pais - ou a injustiça de ser aceita
cegamente por ele. Mas eis que por ser servo fiel e prudente e, acima de tudo,
inabalável em sua confiança na castidade de sua noiva puríssima, Ele não a
entrega precipitadamente ao martírio de pedradas – e já aí devemos a Ele toda nossa
gratidão por ser guardião zeloso da integridade de nossa Mãe – e aqui me chama atenção
uma coisa, pois Ele que era homem justo, como revela a mesma Escritura, comete
uma injustiça contra a lei mosaica para não cometer o que costumeiramente seria
a justiça contra o suposto adultério de Maria. Mas como? Como Ele poderia
acreditar que sua puríssima noiva, por quem Ele se apaixonou tão ternamente, se
encantou por sua beleza interior que se refletia no seu exterior, em seu olhar
tão ingênuo, pudesse cometer algo tão sujo, tão impuro? Algo ali então se
encontrava além dos limites do que Ele podia entender. Imaginemos o quão
tentado Ele deve ter sido a duvidar da pureza daquela que era a própria Pureza
em pessoa, por quem Ele tão ardorosamente esperava dizer com sua vida e com sua
boca: ‘’Meu amor’’ ou ‘’Como és bela’’ ou ainda: ‘’És toda para mim e eu todo
para ti’’.
Ah, mas que admirável paciência e verdadeiro amor de São
José por sua jovenzinha, pois como diz a Escritura: ‘’não quis difamá-la’’ e por isso ‘’resolveu rejeitá-la secretamente’’ (3). Aqui coloquemo-nos,
ousadamente, no lugar de São José – nós, pecadores e ingratos – o quão
tenderíamos a entregar Maria o mais rápido possível para ser cruelmente morta!
Iríamos pensar que nosso amor não foi correspondido, que formos traídos e que
não merecíamos tal mulher. Mas feliz e louvado seja São José, o eleito entre
todos os homens, varão sábio e persistente, que mesmo se perturbando com toda a
situação, não deixou de pensar sobre ela. Mesmo cercado de medo, não se deixou
abater, pois estava cheio de confiança em Deus, mesmo diante daquele
incompressível mistério que tomava conta do seu justíssimo coração.
Mas eis que pensativo, cai em sono. Ele que enquanto o
corpo descansava, velava pelo Amor de sua vida em seu coração. Não seria um
sono como os demais. O sono mais divino e gracioso que já se passou nesse
mundo, pois eis que um anjo vem em socorro do esposo de sua Imperatriz e Dona.
O anjo lhe fala sobre o mistério da divina Encarnação no ventre de Maria, e
para um coração temeroso como era o dele naquela circunstância, mas que era constante em sua paixão terna, ou seja, em seu amor que sofria
profundamente por perder sua virgenzinha, nada melhor que o anjo usasse o
remédio do sacratíssimo nome dela para que ele pudesse ser livre de todo medo e
confusão. E o fez verdadeiramente, com doçura angelical: “José, não tenhas medo de receber MARIA’’. Eis
aqui o centro de toda a festa do noivado, ou do próprio casamento da Imaculada
com seu Esposo digníssimo.
''Despertando,
José recebeu em sua casa sua esposa'' (4)
|
E eis que São José compreende o que se passava: era um
milagre no seio daquela que é o Milagre dos milagres. E já desperto, não demora
por nenhum instante em ir cumprir o que o anjo lhe havia ordenado. Eis que
possuindo em seu coração uma felicidade indescritível, vai ao encontro de sua
Felicidade vivente e por ele, amada de modo tão inefável. Ó de quanta alegria
já deveria encher nossos corações só de meditar e pensar nessas santas e
divinas carícias de tais amáveis esposos.
Sim, pois aquele amor entre a Virgem e São José era
reflexo de outro amor d’Ela com seu outro Esposo. Alguns, que já estão
penetrados nesse mistério do amor entre Maria e José, devem se perguntar que
amor é esse a que me refiro. Então, vamos por partes pensando na relação (que
todos nós conhecemos) que a Senhora nossa tem com a Santíssima Trindade: Filha
predileta do Pai; Mãe do Filho e ESPOSA do Divino Espírito. Vejam que maravilha
dos céus! Pois quem de nós, ó homens, foi chamado e escolhido a ser de modo
pleno e excelente aqui na terra, participante de um matrimônio divino e
singular entre a Virgem e o Espírito Santo? Óh, nenhum de nós – e nem os anjos – pois como canta
a Igreja: ‘’Só tu, ó São José, merecestes à Virgem se unir em casta união’’. (5)
Digo isso porque olhando com os olhos somente da carne
podemos ver uma simples união matrimonial como todas as outras, mas não são
assim as coisas divinas, elas são perfeitas, ou seja, completas, então o
sagrado matrimônio da Soberana e do seu castíssimo esposo ultrapassou o plano
carnal, sendo elevado a um grau de devoção, de confiança, de nobreza e singela
gratidão recíproca entre eles, ou seja, um amor onde um se entregava
completamente nos braços do outro. Vemos nisso, por exemplo, a humildade daquela
que é a própria Humildade encarnada, onde com seu Filho nos braços, é protegida
e defendida, não somente materialmente falando – como na perseguição do inimigo
Herodes (figura do nosso adversário, o demônio) – mas também,
espiritualmente falando, onde São José é o guardião de sua admirável pureza, de
sua virgindade, onde Ele vê n’Ela um mistério de uma mulher incomum – e logo
por essa donzela pura e inocente que Ele se apaixonou –. E aqui exclamo: ó homem invejado pelos próprios anjos, por ter se unido a Rainha deles, da qual esses espíritos gloriosos perguntam encantados: ''quem é esta'' (6), de modo incomparável.
Hoje em dia, é comum certas pessoas terem uma mentalidade escrupulosa
ao pensar em se tornarem fiéis e verdadeiros devotos de sua Mãe Imaculada, de d'Ela se aproximarem com mais ardor e constância. Um
medo que torna a devoção dessas pessoas, uma devoção falsa, coisa tal que São Luís –
grande devoto de Maria – condena veementemente em seu tratado da verdadeira
devoção. Mas hoje nos é oferecido uma solução para que esses falsos temores
sejam arrancados de nossas almas, e tal solução é o que hoje mesmo celebramos e
meditamos – o medo semelhante que José teve – mas que ao soar as palavras do
anjo da Senhora, o mesmo desapareceu de seu coração.
‘’Meu zelo e meu amor por
vossa casa me devoram como fogo abrasador.'' (7)
São José pode exclamar seu amor com essas palavras com
mais razão do que Davi. Ora, aquele que é o fiel esposo de Maria conheceu a Casa
aonde o Altíssimo que nem os céus puderam conter, repousou e foi modelado e não
um templo de pedras sem vida como acontece com o salmista. De fato, cantamos
com toda a Igreja na ladainha lauretana que a mesma Virgem é a ‘’Arca da Aliança’’, a ‘’Casa de ouro’’. Sim, Ela é por
excelência e perfeição o Santuário onde Deus mora e encontra suas delícias,
pois é feito não de um ouro material, mas de um ouro místico, infinitamente
mais nobre: o ouro da verdadeira beleza que é de sua preciosa alma. Por essa formosura
suprema São José se apaixonou com todo o seu ser. De fato, incendiado de um
amor divino, se tornou o protetor zeloso de sua misteriosa virgindade e com um profundo
respeito por aquele Templo, não ousou em tocá-lo. E consideremos então, não
cada dia, ou hora ou cada minuto, mas sim cada instante que passava o quanto aquele
amor sublime que o ‘’devorava como fogo
abrasador’’ crescia de modo misterioso em sua alma. Ele, pobre carpinteiro
que poderia ter mais filhos com outra mulher e assim, quem sabe, ter mais
prestígio com sua profissão, resolveu se ocultar, ou melhor, se exilar com sua
Maria, possuindo um coração que bate uníssono com o dela. Eis o mais excelso
devoto de Maria: aquele que desejou possuir um só coração com a Dona de nossos
corações e ser seu fidelíssimo servo.
Mas é preciso lembrar que não só de êxtases viveu esse beatíssimo
casal, que com certeza foi o mais feliz que pisou no chão desse mundo. Na
verdade, eles que tiveram as maiores alegrias, tiveram as maiores dores: passaram
por sofrimentos e lágrimas, como na terrível perseguição de Herodes e a fuga na
noite escura e sombria para o Egito. Mas aqui penso, sobretudo, naquele momento
sofrido de sua morte ao se despedir de sua Felicidade em pessoa, o quão sofreu
seu coração e o de sua Esposa, mas é tão verdade que foi a morte mais doce,
pois estava ao lado de seu Jesus e de sua Maria. Sim, uma vida repleta de
sentido, de paz celestial e conforto mesmo nas maiores dores e adversidades que
se podem passar aqui na terra. Tal vida excelsa teve aqui na terra e isso,
porque Ele não temeu em receber Maria
como sua esposa. E hoje nos céus,
profundamente unido a Ela, zela por nós, seus filhos e por toda a Igreja que
caminha nesse mundo, que depois de sua virgenzinha deposita n’Ele toda sua
confiança e que hoje quer dizer n’Ele, por Ele e com Ele: ‘’Meu zelo e meu amor por vossa casa me devoram como fogo abrasador.''
Por isso, roguemos prostrados diante de São José que lhe
sejamos fiéis e agradecidos devotos, e que sua presença constante em nossas
vidas mude nossa mentalidade tão torta sobre Aquela que Ele se tornou tal fiel
guardião. Hoje nos consagremos a São José, esposo de Maria de corpo e de alma,
esposo por excelência, e n’Ele e em seu amor possamos cada dia mais também
sermos mais unidos a Imaculada como nossa Esposa. Que o Espírito Santo, o
divino Esposo de sua encantadora Maria, acenda em nossas almas o amor de Jesus
(como cantamos num cântico tradicional da Igreja), e me pergunto: quem o amor
de Jesus a não ser sua Mãe? Sim, Ela é o amor e a delícia de toda a Trindade
Santíssima. E hoje podemos contemplar o glorioso São José que foi o primeiro a ter
sua alma incendiada por esse Divino Espírito de sapiencial desejo de conhecer
Maria, de poder contemplá-La de perto, de falar com Ela com intimidade antes
nunca vista, de ter a mesma alegria de Deus ao chamá-la de ‘’meu amor’’ e por
fim, de poder mergulhar nos seus mistérios insondáveis até aos olhares dos
próprios anjos... Sim, mergulhemo-nos, como fez nosso pai e senhor José
justíssimo, no infinito mar de mistérios que é Maria Santíssima, e para isso,
querendo ter todo amor e afeto dele infundido em nossas pequeninas almas,
escutemos essas palavras angelicais cujo ditoso varão teve a graça primeira de
ouvi-las: ‘’José, filho de Davi, não
tenhas medo de receber Maria como tua esposa.’’
Notas:
(1) Apocalipse 19, 7.
(2) Mateus 1, 20.
(3) Mateus 1, 19.
(4) Mateus 1, 24.
(5) Trecho do hino das I e II Vésperas do dia 19 de março, Solenidade de São José (Liturgia das Horas). Versão da CNBB.
(6) Cântico dos cânticos 3, 6; 6, 10; 8, 5.
(7) Salmo 68(69), 10.
Notas:
(1) Apocalipse 19, 7.
(2) Mateus 1, 20.
(3) Mateus 1, 19.
(4) Mateus 1, 24.
(5) Trecho do hino das I e II Vésperas do dia 19 de março, Solenidade de São José (Liturgia das Horas). Versão da CNBB.
(6) Cântico dos cânticos 3, 6; 6, 10; 8, 5.
(7) Salmo 68(69), 10.
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